Você pode não saber, mas algum produto que você comprou pode ser objeto de um Recall

Está cada vez mais comum abrirmos um aplicativo de rede social, um jornal tradicional ou via web, ou ainda vermos durante as programações das rádios e emissoras de televisão, um aviso de Recall de algum produto que presenta algum tipo de defeito, convocando os proprietários a comparecerem a um local de assistência técnica para o reparo ou troca de um ou mais componentes, principalmente para veículos.

Esta prática teve seu início quando começaram a ser aprovadas as primeiras leis e códigos de defesa e proteção dos consumidores, criadas regulamentações para as indústrias, implantada a responsabilidade civil pelo fato do produto e pelo aumento da conscientização dos consumidores sobre segurança e qualidade de produtos.

Nas décadas de 1910 a 1940, antes de serem criadas leis específicas para disciplinar os recalls estes eram extremamente raros e só ocorriam quando houvesse danos graves ou mortes, porém eram totalmente reativos, só ocorrendo depois de um fato gerador muito significativo.

Nos Estados Unidos, a lei do Pure Food and Drug Act foi promulgada em 1906 e o Federal Trade Commission Act em 1914, iniciando assim algum tipo de controle sobre alimentos, medicamentos e práticas comerciais.

Após estas iniciativas, somente em 1937 após a ocorrência de mais de 100 mortes devido ao uso do Elixir Sulfanilamida, nos Estados Unidos, foi criado o Food, Drug and Cosmetic Act em 1938, exigindo testes de segurança para medicamentos, o que representou a primeira ação efetiva em busca de ações preventivas na regulamentação de produtos.

Efetivamente, a preocupação com a prevenção de comercialização de produtos defeituosos, só foi alavancada após a segunda guerra mundial, na década de 1950, com o aumento da fabricação em massa de automóveis e o consequente grande número de acidentes, que tinham como principal causa, as falhas de projeto, principalmente de freios e direção.

Casos emblemáticos como o do Chevrolet Corvair e o livro Unsafe at Any Speed, de Ralph Nader, em 1965, foram decisivos para pressionar a necessidade de uma regulamentação urgente.

Em 1970, também nos Estados Unidos, foi criada a National Highway Traffic Safety Administration – NHTSA, que foi o grande divisor de águas para a segurança e qualidade dos automóveis, pois esta entidade estabeleceu padrões obrigatórios de segurança automotiva e formalizou o processo de recall de veículos e peças defeituosas.

A partir da década de 1980 a prática dos recalls se expandiu para outros os setores, como o de alimentos, brinquedos, medicamentos e eletrônicos; o mesmo ocorrendo em outros países como a Alemanha, o Japão e o Reino Unido, através de sistemas nacionais de notificação.

Na década de 1990, com as empresas buscando evitar danos para as suas reputações, as práticas de Recall foram sendo aperfeiçoadas com o uso de bancos de dados públicos e governamentais, criando e mantendo listas de recalls setoriais atualizadas constantemente, o que possibilitou maior transparência e acesso às informações.

Do mesmo modo como aconteceu na maior parte dos países industrializados, em setembro de 1990, entrou em vigor, no Brasil, a Lei 8078/90, que estabelece o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. De acordo com o estabelecido no Artigo 10, Seção I – Da Proteção à Saúde e Segurança.

Desde então, sempre que o fornecedor de um produto ou serviço já introduzido no mercado apresentar defeitos ou periculosidade ao consumidor, imediatamente este fornecedor deverá iniciar um chamamento (Recall), apresentando todas as informações necessárias relacionados aos problemas identificados e aos passos que serão dados para a resolução do problema.

A partir dos anos 2000, os registros eletrônicos e a Internet facilitaram o rastreamento de lotes e a comunicação rápida com os consumidores. Alguns casos ficaram muito famosos na primeira década dos anos 2000, como o caso dos pneus defeituosos da Firestone que equipavam as Ford Explorer e levaram a centenas de mortes em acidentes e dos brinquedos da Matell, em 2007, que apresentavam chumbo na composição das tintas dos brinquedos e levou a empresa a recolher milhões de unidades mundialmente.

O mesmo caminho foi seguido para regulamentar a crescente indústria de softwares e dispositivos eletrônicos, como os celulares, laptops e smart devices.

Foi em 2013, no entanto, que se iniciou o maior recall da história até hoje, com os airbags da Takata que afetou mais de 100 milhões de veículos de diversas montadoras em todos os continentes. Ainda hoje existem veículos circulando com os airbags defeituosos que já causaram centenas de mortes.

Apesar de todo o caminho percorrido até hoje, infelizmente o número de Recalls continua elevado, tanto por fatores externos, por problemas com a qualidade de materiais primas e componentes utilizados, assim como por problemas internos como falhas de projeto e de fabricação dos produtos.

Sistemas de gestão da qualidade de produtos e serviços necessitam ser aprimorados através de metodologias robustas de análise de riscos e da aplicação de uma mentalidade de prevenção ao invés da mentalidade de correção como ainda é feito na maioria dos casos. Deste modo, se as novas barreiras tecnológicas continuarem a ser quebradas na velocidade em que estão sendo quebradas, a Inteligência Artificial continuar sendo utilizada de uma forma epidêmica e não houver um grande foco na prevenção, certamente continuaremos a assistir a volumes expressivos dos casos de Recall.

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